Quando meu filho tinha dois anos, vivemos uma cena ao mesmo tempo interessante e engraçada que gostaria de dividir com vocês… Estávamos pela manhã tomando banho e por causa do vapor do chuveiro quente, eis que sai uma caquinha de seu nariz. Automaticamente, como toda boa mãe que zela pela higiene de seu filho, peguei a caquinha dizendo “Que caquinha grande…! Mamãe vai tirar pra você”. Enquanto ele olhava, com o chuveirinho mandei a caquinha pro ralo. Ai… que erro mamãe! Que insensibidade! Na mesma hora, ele se desesperou, e num “piti” típico desta fase, demonstrou toda a sua tristeza pela perda de sua caquinha de nariz. Queria de toda maneira que eu pegasse sua caquinha de volta e a colocasse em seu nariz novamente…! Chorava e dizia: “Minha caquinha, eu quero minha caquinha!!!”. Pega de surpresa e achando a situação muito engraçada, tentei uma explicação racional de que caquinhas atrapalham nossa respiração e por isso a mamãe havia jogado fora, mas pouco adiantou para aliviar a sua indignação e seu choro.
Bom, mas vocês devem estar se perguntando o que essa história pode ter a ver com o tema de um artigo de psicologia… Vamos à teoria e vocês entenderão: à partir de 1 ano e meio até cerca de 4 anos e meio, a criança vive uma fase de desenvolvimento emocional chamada pelos psicólogos de fase anal. É um nomezinho feio, mas que traduz uma fase em que o maior foco da criança é o aprendizado do controle esfincteriano, que é o aprender a segurar e a controlar o xixi e o cocô. Nessa fase, o que as crianças mais adoram falar é “xixi”, “cocô”, “pum”, etc., mas não por que são mal educados, e sim por que estão descobrindo esses conteúdos de seu corpo, e se não dermos muita ênfase e nem reprimirmos isso, logo passa.
Então, quando mais ou menos nessa idade a criança toma consciência de que aquele xixi ou aquele cocô (a que chamamos de produtos internos) são seus, produzidos por seu próprio corpo, ela fica muitíssimo orgulhosa deles, principalmente do cocô, que é mais “palpável”. Sentem algo assim: “isso é minha primeira produção, eu é que fiz” e acham tão legal que muitas vezes querem dá-lo de presente à mamãe ou ao papai, como uma criança mais velha faz com um desenho feito por ela. Parece absurdo para nós adultos, mas é de extrema importância para os pequenos e por isso devemos respeitar muito esses seus produtos internos.
Sempre orientamos os pais para que peguem o cocozinho ou o xixizinho do penico, levem junto com a criança para o vaso e dêem descarga dando tchau para eles…para as mais resistentes, podem até dizer que ele vai encontrar sua mamãe lá no fundo… É, eu sei… parece ridículo, mas é uma técnica da psicologia chamada de “cocô amigo” e que evita muito problema futuro. Se passamos a idéia de que seu cocô é algo sujo, fedido e digno de nojo, é o mesmo de estarmos dizendo que tudo o que vem dela é sujo, feio e ruim. E é assim que ela vai considerar todos os seus produtos internos no futuro e passa a não gostar de nada que produz: uma atividade criativa ou artística, uma redação, sua letra, uma fala em público. Tudo isso fica bloqueado, pois passa pelo filtro emocional que acredita que sempre vão achar o que ela faz ruim e feio. Algo tão simples, de uma fase tão comum, pode fazer um estrago danado no futuro…
Se meu filho estivesse lendo esse artigo, com certeza diria: “mamãe, mesmo sabendo dessa teoria toda, como pôde jogar minha caquinha fora de forma tão fria?”. Pois é, meu filho, cuidei tanto para manter sua boa relação com o xixi e o cocô, como pede nossa teoria, e nem pensei que pra você a caquinha de nariz também deveria ser considerada um produto interno…rs. Vivendo e aprendendo!
*Patricia Jacob é psicóloga clínica formada pela USP-SP.