Por Patricia Jacob*
A adolescência está na moda! Todos os meios de comunicação estão enfocando o adolescente. Fala-se muito das mudanças corporais vividas nessa fase, nos conflitos e nas descobertas que essa fase gera, fala-se muito em adolescente rebelde, em adolescente agressivo, em adolescente de-todo-jeito! No entanto, fala-se muito pouco de um sentimento que é a marca principal da adolescência e tem um papel essencial nessa fase: a angústia. É disso que eu quero falar um pouco com vocês agora: como entender a angústia do adolescente e como lidar com ela.
Há alguns anos atrás, nós, psicólogos, dizíamos que o período da adolescência começava aos 11 anos e terminava aos 18 anos. Hoje em dia só sabemos que começa dos 11 anos em diante, mas não sabemos quando termina. Começamos a encontrar adolescentes com 25, 30, até 40 anos! Isso porque descobrimos que estamos tendo uma dificuldade enorme em amadurecer e resolver as angústias da adolescência. O amadurecimento é o que marca a saída deste período e muita gente só tem conseguido amadurecer tarde na vida…
Mas de que angústia é essa que eu estou falando? Bom, para entendê-la, é só a gente imaginar um adolescente normal. Ele entra em casa, liga a TV, muda de canal 5 vezes, desliga, põe um CD pra tocar, enjoa, põe outro, desliga o som, lava a louça, volta, abre a geladeira, come mesmo sem estar com fome… Aquelas transformações todas que começam a acontecer aos 11, 12 anos e nas quais vocês já estão cansados de ouvir falar, vão trazer esse sentimento que poderíamos descrever como uma insatisfação constante, um incômodo, uma “coisa ruim”, um aperto no peito, um sentimento que a gente não sabe dar nome. Pode ser maior para alguns e menor para outros, mas está sempre presente na adolescência.
Para facilitar nosso entendimento, vamos imaginar um personagem imaginário: a Joana. Joana está com 14 anos. É inteligente, bonita, tem uma família legal, mas está sempre achando que nada está bom: sua mãe bem que podia ser mais liberal, o pai menos chato, será que não podia ter tido uns irmãos mais legais? E essa cidade onde mora, então? Não tem nada pra fazer! Fora seus cabelos, que são lisos, e ela gostaria que fossem encaracolados, seus pés que são muito grandes e sua coxa que é muito fina… E isso dá um mau humor danado nela… Além disso o menino que ela paquera nunca está a fim dela, e aquele que é caidinho por ela, ela não pode nem ver na frente! Difícil, não?! Difícil e sofrido!
Essa insatisfação constante e geral é normal na adolescência, pais, então não tomem como pessoal quando ele diz que vocês são uns chatos… E tudo isso pode parecer tudo um monte de besteira pra quem já passou desta fase, mas pra quem está mergulhado nela, é terrível… Um professor meu costumava dizer que as pessoas estavam enganadas quando diziam que a adolescência era a melhor fase da vida: pelo contrário, é a fase que a gente mais se lembra da vida porque o sofrimento é tão grande que quando acontece alguma coisa boa, marca muito. Então temos que levar o sofrimento deles à sério, e nunca zombar do que os faz sofrer.
Bom, então nossa Joana está hoje muito angustiada e não sabe com que. Aí ela inventa de fazer uma escova cacheada no cabelo e sente-se tão bem! A angústia vai embora por um tempo, que bom… Só que volta: daqui a alguns dias está com aquele aperto no peito de novo, sentindo-se a última das mortais e resolve, então, pintar os cabelos de loiro. A mãe dela quase tem um “troço”, mas ela a-do-rou. A angústia vai embora, mas não dura muito: agora tem que inventar outra coisa, então faz três furos na orelha (além dos que já tinha) e faz um piercing no nariz. E por aí vai! Esse estado de insatisfação consigo mesmo e de não conseguir se aceitar como é, é típico da adolescência. E mudar temporariamente o cabelo, ou sua forma de vestir, ou mudar “sua cara” de qualquer maneira, é uma forma que os adolescentes encontraram pra aliviar por um tempo sua angústia. Os pais ficam enlouquecidos com isso, mas sempre digo que melhor dar conta da ansiedade assim, mesmo que eles fiquem parecendo E.T.s por um tempo, do que terem que utilizar formas mais prejudiciais para isso. Que formas mais prejudiciais?
Bom, se a angústia está muito alta e ele não encontra outra forma de lidar com ela, pode acabar buscando alívio no álcool, nas drogas ou se colocando em situações de risco. Então vamos imaginar que nossa personagem Joana está muito mal hoje: ela pode acabar querendo desabafar com algum amigo “da onça” que lhe oferece algo “que vai espantar seu sofrimento num instante!”. Aí podem entrar as drogas e o álcool. Ela percebe que quando bebe um copinho de cerveja, essa angústia passa… melhora. E daqui a pouco precisa de cada vez mais copos para se sentir alegrinha, tontinha, meio-sei-lá-o-quê e isso pode virar uma escalada perigosa e muito prejudicial em sua vida.
Ou então a Julieta sai para dar uma volta com um amigo e ele começa a fazer um racha na avenida. Aí percebe que, quando está em situações de risco, de perigo, sua angústia também passa. É que a adrenalina é uma química orgânica que anestesia sentimentos (você já percebeu que, quando leva um susto muito grande, seu organismo fica anestesiado e o medo e a tremedeira vêm só depois?). E a adrenalina é liberada em qualquer situação de medo e perigo: brigas, esportes radicais, aventuras, qualquer situação perigosa. E com isso, pode começar a colocar sua vida em risco por não conseguir lidar com sua angústia.
Só que o que a Julieta não sabe é que esse tipo de coisa alivia a sua angústia momentaneamente, mas não a resolve de verdade, e a longo prazo a faz ficar maior! É muito fácil se desangustiar dessas maneiras, não é? Mas são todas formas destrutivas, impulsivas. Aliás, tomar decisões impulsivas e auto-destrutivas são também marcas da adolescência. A gente sabe que um jovem está amadurecendo, saindo da adolescência, quando consegue se desangustiar de formas saudáveis, quando não precisa mais agir destrutiva e impulsivamente para se aliviar, quando não precisa mais colocar seus sentimentos nas costas dos outros e pode assumi-los como seus próprios. Isso é sinal de maturidade. Por ex., se percebo que meu namorado não gosta mais de mim, vou embora e vou sentir dor, tristeza ou raiva (sentimentos definidos) e não angústia (um sentimento indefinido). Vou estar consciente do que estou sentindo e por quê.
Vou chorar de dor, vou espernear de dor, mas sei que o amor é meu, que a raiva é minha, a tristeza é minha, e não preciso culpar ninguém por elas ou despejar isso em ninguém. Vou “curtir” minha dor de cotovelo sozinha, sem precisar ficar ligando pra ele e desligando, mandando cartas anônimas pra nova namorada dele só pra fazê-los ficar infelizes também… Dá pra entender?
Se seu filho de 22 anos, que já está quase se formando e já se acha um adulto maduro, ainda chega em casa e só porque a mãe não comprou a bolacha que ele gosta, faz um baita escândalo, joga cadeira longe, diz “ninguém liga pra mim nessa casa mesmo!”, é por que ele ainda não conseguiu sair da adolescência. Ainda responde a frustrações de maneira impulsiva. Maturidade é aceitar o diferente sem ter que destruí-lo, é ter responsabilidade com sua vida e com seus atos, é saber que seus atos têm consequências e poder medi-las.
Gosto muito dessa passagem: “Maturidade é a capacidade da gente poder fazer escolhas em nosso nome e não em nome dos outros. O sentido da vida na maturidade não está fora de nós: o sentido da vida não é botar mais uma piscina em casa para o cunhado ver; o sentido da vida não é trocar o carro de novo só pra esbanjar (a não ser que eu realmente queira mais conforto, por mim). O sentido da vida é tirar prazer do viver, do viver hoje!” (Ivan Capelatto). Tirar prazer do viver de formas saudáveis. Mas por essa definição vocês podem ver que muito quarentão ainda não conseguiu atingir a maturidade e se desangustiar, não é?
Então agora vocês me perguntam: como ajudar meu filho a desangustiar de forma não destrutiva e ir aos poucos alcançando a maturidade?
Bom, só há uma forma de desangustiar: é transformar a angústia em outra coisa, o que chamamos na psicologia de “sublimação”. Podemos sublimar nossa angústia transformando-a em arte, numa música ou qualquer coisa criativa, que seja uma produção, que transforme. Mas só a minoria consegue assim. Algo que realmente funciona e é bastante acessível é a sublimação através da fala. Se a gente encontrasse na vida da gente alguém que pudesse nos ouvir, tudo seria diferente. A gente perde a angústia falando, conversando, “vomitando” as coisas que a gente sente para quem a gente ama e confia. E esse alguém que a gente ama deve aprender a escutar.
Por isso, pais e professores, a melhor forma de ajudar seu filho ou aluno principalmente na adolescência, é sempre estarem disponíveis e abertos para conversar, e principalmente escutar. Não precisa falar nada, é só escutar um pouco o que o adolescente está precisando expressar (mesmo se for só reclamação, até dos próprios pais). Não é fácil, pois a gente sabe que a lista de queixas e preocupações de um adolescente é bastante extensa. Além disso, o adolescente costuma pedir ajuda agredindo, e não é todo adulto que entende isso. Mas é preciso!
Um adolescente um dia me disse que consegue ter mais acesso para conversar com os amigos do que com os pais. Isso é infelizmente muito comum. E vem a pergunta do jovem: conversar com os amigos também funciona pra desangustiar? Bom, se imaginarmos um bando de adolescente conversando, vamos ver que todo mundo fala, mas ninguém escuta (tá todo mundo angustiado, precisando falar!), então sabemos que é difícil encontrar amigos que estejam abertos e com estrutura pra realmente nos ouvir. Mas se você tiver a sorte de encontrar essa raridade, não desgrude desse amigo nunca mais!
Então aqui vai um recado para os jovens: da próxima vez que estiver angustiado e um amigo quiser te “ajudar” oferecendo adrenalina (o risco) ou anestésicos de sentimento (drogas e álcool), lembre-se que esse não é o verdadeiro amigo, ou não está estruturado pra te ajudar. Ele está mais angustiado que você! O amigo mesmo é aquele que oferece duas coisas: seu ouvido aberto e seu colo! Nunca se esqueçam disso e pratiquem vocês também para poder ajudar os seus próprios amigos.
Um bom caminho à maturidade!
Patricia Jacob é psicóloga clínica formada pela USP-SP.